O asfalto das ruas brilhava e os prédios refletiam-se disformes no chão molhado. Tínhamos chegado a Coimbra para a explorar os vários pontos turísticos integrados no roteiro de 3 dias intitulado “Dos campos dos arrozais ao ouro branco das salinas”, elaborado pela Região de Turismo de Coimbra e, nos quais se vivenciam experiências autênticas e genuínas.
O convite partiu da Comunidade Intermunicipal de Coimbra e, como apaixonados que somos pela riqueza natural e cultural do nosso país, só podíamos aceder com elevado entusiasmo.
Os dias que se seguiram foram passados entre Montemor-o-Velho e a Figueira da foz ao sabor dos Pastéis de Tentúgal.
Dia 1 – Coimbra
Coimbra, bem cedo. Ainda o orvalho pairava sobre as plantas do Jardim Botânico, um espaço que é um deleite para o usufruto da natureza citadina. Criado com o objetivo de complementar o estudo da História Natural e da Medicina na Universidade de Coimbra, é um dos jardins botânicos mais conceituados a nível mundial. Foi traçado à maneira italiana, distribuído por vários patamares, escadarias e avenidas, levando-nos por uma breve viagem aos quatro cantos da Terra.
A Universidade de Coimbra, Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, criada em 1290 por D. Dinis, fica mesmo ao lado, no ponto mais elevado da cidade. Sendo uma das mais antigas do mundo, inicialmente esteve dedicada ao Palácio Real, para mais tarde se estender por Coimbra, transformando-a na cidade universitária.
Entretanto, a manhã já se inclinava para a hora do almoço, quando fomos revisitar um museu que apreciamos bastante. Falamos do Museu Nacional Machado de Castro, fundado em 1911, numa homenagem ao escultor Joaquim Machado de Castro, que ocupa o antigo edifício do Paço Episcopal e que foi construído sobre o criptopórtico do fórum de Æminium, a mais significativa obra romana em Portugal, datada do século I.
Com a barriga a pedir o segundo conforto do dia, descemos a Avenida da República e sentámo-nos numa das várias mesinhas do Mercado Municipal para degustar uma refeição ligeira, mas que serviu para aguentar uma tarde que se previa promissora.
Com meia dúzia de passos dados, rapidamente, chegámos à Rua da Sofia, a rua que recebeu originalmente a Universidade de Coimbra. Sofia, que significa sabedoria, começa na Igreja de Santa Cruz, Panteão Nacional, onde D. Afonso Henriques e D. Sancho I estão sepultados, e termina junto aos colégios de outros tempos.
Transposto o rio Mondego, alimentado pelas lágrimas derramadas por uma linda menina de seu nome Estrela que muito chorou o seu amado Diego, assim reza a lenda, seguiu-se o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha fundado em 1283. Atualmente, o mosteiro está a ser alvo de diversas obras de intervenção para valorização, nomeadamente, a área de ruína, e o Centro Interpretativo com os achados arqueológicos, resultado das escavações no local.
Um pouco de fantasia nunca fez mal a ninguém, e porque dentro de cada um de nós há sempre uma criança, fomos revisitar o Portugal dos Pequenitos, o mais antigo parque temático em Portugal, que se encontra dividido em seis áreas temáticas: Casas Regionais; Portugal Monumental; Cidade de Coimbra; Portugal Insular e Países de Expressão Portuguesa, à escala dos mais pequenos, claro.
Com o dia a terminar, fizemos uma breve passagem pelo Convento São Francisco, que remonta a 1602 e foi, recentemente, requalificado para acolher o principal Centro Cultural e de Congressos, um projeto do arquiteto Carrilho da Graça.
A noite foi caindo, a cidade foi-se iluminando e, com alguma nostalgia, deixamos Coimbra com a promessa de voltar brevemente.
Dia 2 – Montemor-o-Velho
Eram dez da manhã, fazia muito frio, mas o céu enchia-se de cor e luminosidade.
A paisagem dos campos dos arrozais foi a anfitriã do passeio deste dia, que nos levou por lugares repletos de História, cultura e Natureza.
A primeira paragem foi o Convento de Nossa Senhora do Carmo em Tentúgal para apreciar um espaço que, outrora, acolheu as Carmelitas Descalças, as primeiras religiosas que ocuparam o convento do século XVI. No interior da Igreja, destaca-se o retábulo-mor, de caraterísticas rococó, o teto apainelado do coro alto, datado de 1757 e o cadeiral seiscentista. Na portaria, há a destacar a roda e a grade do parlatório, únicos contactos das religiosas com o mundo exterior. Em 1834, o Convento foi extinto, no entanto, ainda persiste a Igreja, a cerca e parte da portaria.
Com o casaco, gorro e cachecol, fomos espantar o ar glacial e o sono com uma fumegante chávena de café e um delicioso Pastel de Tentúgal, o principal e o mais antigo doce conventual produzido no concelho. A primeira referência escrita data de 1611 e está associado ao Convento de Nossa Senhora do Carmo. O Pastel de Tentúgal distingue-se pelo folhado fino e estaladiço e pelo recheio de ovos. Os melhores são os da Pastelaria A Pousadinha.
Como o caminho se faz caminhando, continuamos rumo à localidade de Pereira para conhecer a Igreja da Misericórdia de Pereira construída no século XVIII, numa homenagem a Nossa Senhora da Piedade, em estilo barroco. No interior destaca-se uma única nave com coro-alto, assente sobre colunas, os retábulos em talha dourada, de estilo nacional ou barroco pleno, e os azulejos setecentistas colocados na capela-mor e na nave. No exterior da Igreja, o destaque vai para a torre sineira, dividida em três registos.
Seguiu-se mais uma pausa para provar mais uma iguaria, a Queijada da Pereira, um ex-libris da doçaria regional do Baixo Mondego, cujas primeiras referências datam do século XVI. Retratada pela pintora Josefa d’Óbidos (século XVII), é um pequeno bolo de massa enformada com sete bicos e recheio de queijo fresco, gemas de leite, açúcar, e cozida em forno a lenha. As melhores, como também viemos a descobrir, são as da Pastelaria Maria de Lurdes, é só perguntar na aldeia, toda a gente conhece.
Com o rio Mondego a acompanhar a nossa viagem, rapidamente chegamos ao Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho inaugurado em 2002. O espaço pertence à Rede Nacional de Centros de Alto Rendimento/ HIGHSPORTUGAL e foi projetado para acolher as modalidades de canoagem, remo, natação de águas abertas e triatlo, de treino e competição, beneficiando das condições ímpares do Baixo Mondego. Para além dos modernos equipamentos técnicos dedicados ao treino de alto rendimento, o Centro dispõe de diversas instalações de apoio, nomeadamente balneários, centro médico, hangares e armazéns, e áreas de restauração.
Com o aproximar da hora de almoço, seguimos para o Pimenta Verde, um restaurante nas imediações de Montemor-o-Velho, que nos surpreendeu pelo atendimento acolhedor e um menu com pratos que têm por base os produtos locais.
Estávamos assim preparados para mais uma tarde que se avizinhava longa e que nos levou até ao centro da vila, onde se ergue um edifício histórico que já foi um convento que albergou os Frades Eremitas Calçados de Santo Agostinho. Chama-se Convento de Nossa Senhora dos Anjos, e foi fundado em 1494, com o apoio de um importante fidalgo da terra, Diogo de Azambuja. Durante os séculos XVI e XVII, o Convento sofreu várias intervenções que alteraram, significativamente, a sua configuração inicial. No seu interior, destaca-se a capela-mor, de estrutura manuelina, o elemento que subsiste da edificação original. Entre as várias capelas existentes no interior da Igreja, sobressai a Capela da Deposição com um retábulo renascentista atribuído a João de Ruão. Do espaço conventual, subsiste o claustro de planta quadrada, dividido em dois pisos, executado em meados do século XVII.
Quem nos conhece, sabe que somos apreciadores natos de castelos. Como tal, fomos visitar o Castelo de Montemor, o qual assume uma posição dominante sobre a vila, na margem direita do rio Mondego, tendo sido a principal fortificação da região na época medieval, cujas primeiras referências datam do século X.
Na descida para a parte mais baixa da vila, provamos mais uma iguaria local, as Pinhas Doces de Montemor, uma mistura crocante de massa e caramelizado doce.
Os momentos que se seguiram, foram passados a explorar o Núcleo Histórico de Montemor-o-Velho, cujos vestígios remontam à Pré-História, desde a época romana, nomeadamente, os achados no sítio da Senhora do Desterro (onde existiu uma villa romana e uma necrópole), a lápide de Júpiter na Capela da Madalena e os blocos de cantaria reempregados na base da torre de menagem do Castelo.
Já na estrada para a Figueira da Foz, mas ainda próximo de Montemor-o-Velho, paramos para apreciar o Paul do Taipal na planície aluvial do Baixo Mondego. Tradicionalmente ocupado pelo cultivo do arroz, em meados da década de 70 do século XX, a construção da atual Estrada Nacional nº 111 ditou o abandono da agricultura. As valas de drenagem foram interrompidas e, por este motivo, os terrenos encontram-se totalmente alagados de água, provocando o aparecimento de vegetação típica de zonas húmidas. Atualmente, constitui uma Zona de Proteção Especial para a Avifauna. Este espaço representa um dos últimos exemplos deste tipo de zona húmida na Região Centro, juntamente com os pauis de Arzila e da Madriz.
Uns quilómetros mais, e chegamos à Capela de Nossa Senhora da Saúde. Fica situada na aldeia de Reveles, na freguesia de Abrunheira. Trata-se de um templo datado de 1780, constituída por corpo, capela-mor, alpendre frontal e lateral apoiado em colunas dóricas. A Capela foi também local de enterramentos.
O dia tinha começado a chegar ao fim e com isso seguimos viagem rumo ao oceano para explorar uma cidade que “mora” entra a praia, as salinas e a Serra da Boa Viagem.
A noite foi passada no acolhedor Bacharéis Charming House, um pequeno espaço hoteleiro recheado de História.
Dia 3 – Figueira da Foz
Escusado será dizer que há imenso para ver e fazer na Figueira da Foz.
Começamos com um passeio junto à marina em direção ao mar, passando pelo Mercado Municipal Engenheiro Silva, um edifício de 1892 que se desenvolve numa planta retangular, com um grande pátio central, coberto por uma estrutura em ferro, construído para responder às necessidades da época, impostas pelo desenvolvimento portuário, comercial, industrial e social da Figueira da Foz. Atualmente, o “Mercado Tradicional” conta com diversas bancas coloridas, de frutas, legumes, flores, pescado, e serviços como Coworking, o Espaço do Cidadão e consultórios médicos.
Por entre um emaranhado de ruas que convergem para a avenida junto à praia, fomos conhecer o Casino Oceano inaugurado em 1898, que apesar de desprovido das suas funções primitivas, permanece como um belo exemplo arquitetónico do ecletismo oitocentista e da vivência da Figueira da Foz na primeira metade do século XX. Mesmo ao lado foi, entretanto, construído um novo casino de características mais modernas.
Seguimos para o Museu Municipal Dr. Santos Rocha fundado em 1894 pelo figueirense António dos Santos Rocha com o objetivo de albergar o valioso espólio recolhido por si em várias campanhas arqueológicas na Serra da Boa Viagem. Mais tarde, o acervo passou também a integrar coleções de pintura e escultura. Atualmente, o museu disponibiliza uma vasta coleção permanente como é o caso das coleções de arte religiosa, arte contemporânea, numismática, mobiliário indo-português, etnografia, armaria, arqueologia, e núcleos museológicos temáticos, dedicados ao mar e ao sal, refletindo atividades com grande tradição no território.
Seguimos para o Núcleo Museológico do Mar criado em 2003 para divulgar algumas das principais memórias históricas mais identificativas das comunidades da orla costeira do concelho da Figueira da Foz. O NMMar desenvolve-se ao longo de três pisos, abrangendo diferentes temáticas e funções. Abordam-se temas como as artes de pesca tradicionais, a pesca do bacalhau, traje e costumes, património natural e história local.
A Casa do Paço construída entre 1690 e 1704, pelo Bispo-Conde de Coimbra, D. João de Melo, foi o ponto seguinte deste roteiro. Trata-se de um edifício de planta longitudinal, em “U”, sendo a fachada do lado sul rematada com um torreão, embora o projeto inicial contemplasse dois torreões simétricos. O interior, alvo de diversas transformações, possui grandes divisões, algumas das quais cobertas por elevadas abóbadas. A Casa assume especial relevância pelo invulgar conjunto de azulejos holandeses de figura avulsa que revestem quatro salas do piso nobre, estilo delft, num total de cerca de 6.700 peças, em tons de azul e manganés, executadas na primeira década do séc. XVIII.
A Serra da Boa Viagem fica mesmo ao lado da Figueira da foz e, como tal, não podíamos ir embora sem lhe fazer uma breve passagem. Localizada junto ao Oceano Atlântico, a serra possui uma envolvente de singular beleza, com um vasto património natural, paisagístico, geomorfológico e arqueológico. Aqui foi descoberta uma centena de pegadas de dinossauros, cuja relevância é reconhecida mundialmente. Ao longo das falésias das praias do Cabo Mondego, observa-se o maior afloramento Jurássico da Europa (185-140 milhões de anos), em condições excecionais. Dentro do Parque Florestal, destacam-se a Capela de Santo Amaro do século XIX e o Farol do Cabo Mondego do século XX, os Miradouros da Vela e da Bandeira.
Com o dia a caminhar a passos largos para o final, fomos ainda conhecer o Núcleo Museológico do Sal/ Salina do Corredor da Cobra, um espaço vivo inaugurado em 2007, onde a atividade salineira e a paisagem se conjugam. O espaço iniciou uma nova etapa de divulgação desta atividade tradicional, a visita ao NMSal desenrola-se através do Centro Interpretativo, Armazém do Sal, Marinha do Corredor da Cobra, Pedarium e Rota Pedestre.
Foram 3 dias de paisagens naturais, cultura, arquitetura, História e património, num roteiro que partiu “Dos campos dos arrozais ao ouro branco das salinas”, terra de gente hospitaleira, de boa gastronomia e boa doçaria, confecionada pelas mãos de quem sabe.
Motivos não faltam visitar Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da foz, numa viagem temperada com flor de sal!
Nota: Projeto cofinanciado pelo Centro 2020, Portugal 2020 e União Europeia