O Centro de Portugal é uma região diversa, que vai desde paisagens de montanha, até ao mar, passando por aldeias deslumbrantes, cidades cosmopolitas e praias maravilhosas. Para além disto, possui um património histórico, natural e cultural incrível, no qual se inserem quatro locais Património Mundial da UNESCO: o Convento de Cristo, o Mosteiro da Batalha, o Mosteiro de Alcobaça e a Universidade de Coimbra – Alta e Sofia. A acrescentar a tudo isto há, ainda, as tradições, a gastronomia, os vinhos e as pessoas.
Nesta mão cheia de motivos para conhecer o Centro de Portugal, cabe ainda uma experiência que, embora fugindo um pouco ao habitual, nos levou a uma encantadora viagem pelo “Lado B” dos Lugares Património do Centro de Portugal, durante três dias e, que a seguir, se descreve.
Dia 1 – Batalha / Alcobaça
O Sol brilhava já intensamente, quando chegamos a Reguengo do Fetal, no concelho da Batalha, para conhecer uma aldeia que há muito se relaciona com o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, vulgarmente conhecido como Mosteiro da Batalha, por ter sido dali que saíram as pedras que auxiliaram a construção de tão majestoso monumento.
A visita teve início na Igreja Matriz, também conhecida pela Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, de traço predominantemente barroco, datada de 1512, local onde tivemos oportunidade de observar que, da sua construção primitiva ainda restam alguns arcos de estilo gótico em cantaria postos a descoberto nos alçados laterais. No início do século XVII, foi transferido para este templo a capela batismal do Mosteiro da Batalha.
No exterior, mesmo junto à igreja, existe uma belíssima fonte renascentista, a qual acrescenta beleza à Praça da Fonte.
Seguiu-se um agradável passeio, acompanhado pelo simpático Danilo Guimarães, guia turístico das Grutas da Moeda e, que tão bem conhece a região, pelas ruelas da aldeia que nos levou monte acima, pelo percurso do Buraco Roto até à gruta com o mesmo nome, uma gruta necrópole de beleza e enquadramento paisagístico ímpar.
O Buraco Roto é uma cavidade cársica localizada nas encostas do planalto de São Mamede e resulta de um processo de erosão. No inverno transforma-se numa nascente de água, ou exsurgência, numa zona arqueológica de grande interesse. Nos anos 80 foi alvo de escavações, tendo sido encontrados ossos humanos carbonizados, os quais apontam para a realização de rituais funerários datados dos finais da Idade do Bronze.
Continuamos aldeia acima até à lindíssima Capela de Nossa Senhora do Fetal, uma capela com estatuto de santuário, uma vez que, acorrem anualmente ao local, milhares de fiéis para assistir à Romaria/ Procissão dos Caracóis entre a capela e a igreja matriz. Trata-se de um percurso iluminado com cascas de caracóis muito singular que atrai imensos visitantes.
Antes, ainda, de deixarmos Reguengo do Fetal, fomos ver o local, isto é, as Pedreiras Históricas, de onde foram extraídas as pedras para a construção e restauro do Mosteiro da Batalha.
A tarde começou da melhor forma, com uma visita ao Mosteiro de Santa Maria de Coz em Alcobaça, o segundo maior mosteiro da Ordem de Cister, construído no século XII, cuja expressão “o silêncio é de ouro” assenta que nem uma luva. Este mosteiro é, pois, sinónimo de um silêncio ensurdecedor, destacando-se as cores na sua decoração, as cruzes nas pedras dos altares, o equilíbrio estético entre portas e altares e, a sacristia revestida a azulejos do século XVIII. Também o exterior merece atenção, pelos claustros destruídos aquando da extinção das ordens religiosas, bem como o edifício no seu todo.
Mesmo em frente ao mosteiro, num antigo edifício que servia de Adega das Monjas, situa-se a Cestaria de Coz, um espaço, intitulado de Coz´Art, no qual se pode participar em ateliers de cestaria, um programa proporcionado pelo Centro de Bem Estar Social da Freguesia de Coz e apoiado pela Câmara Municipal.
O dia terminou com um brinde ao bom vinho da região no Museu do Vinho, considerado um dos melhores e mais completos museus de vinho em Portugal. Este espaço, ocupa a antiga adega de José Eduardo Raposo de Magalhães, datado do século XIX e reúne em exposição mais de dez mil objetos relacionados com o processo de produção vitivinícola, contando ainda com um jardim dedicado a Baco. No final da visita, dirigimo-nos à taberna do museu para degustação de produtos de Alcobaça, preparados pelo chef Ricardo Raimundo.
Dia 2 – Tomar
De manhã, bem cedo, partimos em direção a Tomar, cidade Templária, onde a História e a tradição se reúnem em torno de uma paisagem singular.
Iniciámos a incursão pela cidade, com um agradável passeio pela Mata Nacional dos Setes Montes, durante o qual, fomos acompanhados pelo simpático João da empresa de Turismo Cultural, Caminhos da História.
Esta floresta, em pleno centro da cidade, é o local ideal para caminhadas entre trilhos que cruzam a beleza do local com as memórias dos Templários, que por ali se recolhiam. É no seio deste cenário de frondosas árvores, que se encontra a “Charolinha”, um pequeno e enigmático templo de pedra, esculpido à imagem das torres-lanterna do Convento de Cristo e rodeado de um pequeno lago circular que parece isolá-lo do mundo.
A tarde teve início com uma visita ao Complexo Cultural da Levada de Tomar, um conjunto constituído pelas estruturas hidráulicas, pelos edifícios construídos no rio Nabão e no centro urbano para usos técnicos e materiais de produção, desde o período medieval, passando pela época moderna, até à época contemporânea.
Atualmente, a Levada de Tomar encontra-se em processo de valorização e de musealização, tendo em vista a sua ativação patrimonial e fruição pública, como é o caso da Moagem – Fábrica das Artes, um espaço criativo e inovador, no qual diversos artistas dão asas à imaginação e à criatividade.
É no centro histórico que se encontra a antiga Judiaria de Tomar com a sua Sinagoga, o mais antigo templo sefardita construído de raiz, de meados do Século XV, ainda intacto em Portugal. Esta Sinagoga foi encerrada no reinado de D. Manuel I e, ao longo dos tempos, teve diversas ocupações, como prisão e armazém. Atualmente, alberga o Museu Hebraico Abraão Zacuto. Dos elementos originais conservam-se, ainda, as quatro colunas e o sistema de acústica.
Seguimos pelas ruas e ruelas floridas do centro histórico de Tomar e, o final de tarde foi no emblemático Café Paraíso, um espaço centenário inaugurado nos idos anos da instauração da República Portuguesa. Há cem anos, o Café Paraíso trouxe a Tomar um toque de novidade, fundado por cinco sócios amigos. Um deles, Manuel Cândido da Mota, viria a tornar-se no único proprietário do café. Em 1946, sem se fechar portas à clientela, fizeram-se mudanças profundas no edifício. Depois da morte de Cândido da Mota, sucede-lhe o sobrinho Manuel Mota Grego, o qual viria a falecer em 1982, deixando o espaço a duas mulheres familiares que zelaram pela conservação do seu espólio. A última grande transformação foi promovida pela atual gerência que optou por dar “nova vida” ao café, abrindo as portas à noite. Em 2000, viria a sofrer, mais uma vez, obras de restauro e algumas modificações. Durante cem anos este património da cultura tomarense testemunhou o evoluir da cidade e da região, acolhendo tertúlias e servindo de ponte entre gerações. Foi ali, que relaxamos um pouco e nos deliciámos com os famosos e igualmente maravilhosos “Beija-me Depressa”, um doce conventual que só o nome diz tudo.
Com o sol quase a desaparecer no horizonte, fomos conhecer o majestoso conjunto monumental constituído pelo Castelo Templário e o Convento de Cristo, naquela que se tornou uma visita noturna sem igual. Uma visita noturna verdadeiramente surpreendente que culminou num jantar fantástico, no próprio convento.
Edificado no século XII, é um autêntico Repositório da História de Portugal, Património Mundial da Humanidade desde 1983. Do castelo, começado a construir em 1160, faz parte a Charola octagonal, de finais do século XII, santuário românico de influência oriental.
O início da construção do convento deve-se ao Infante D. Henrique, que ali levantou o seu Paço e os Claustros do Cemitério e da Lavagem em estilo Gótico. Do complexo edificado, fazem ainda parte mais seis claustros. A igreja templária do castelo é Românica, a exuberância e beleza da “Janela do Capítulo”, do início do século XV, retrata o Manuelino. O Maneirismo marcou o claustro da Hospedaria. O claustro principal é o mais importante e emblemático dos claustros do Convento de Cristo, um caso notabilíssimo da arquitetura Renascentista.
Dia 3 – Coimbra
O terceiro dia foi passado em Coimbra e teve início com uma visita à exposição “Judeus de Coimbra | da Tolerância à perseguição | Memórias e Materialidades” patente num edifício que conta já com cerca de 470 anos, que começou por acolher as artes e as humanidades e, posteriormente, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.
A exposição pretende resgatar e reabilitar a memórias comunidades judaicas que habitam Coimbra, contribuindo para aprofundar o conhecimento de uma história de contornos ainda imprecisos.
Pela tarde, fomos conhecer o grandioso Museu Machado de Castro, um dos mais importantes museus de Belas-Artes de Portugal, que integra a área classificada como Património Mundial da Humanidade da Universidade de Coimbra – Alta e Sofia. Foi assim denominado em homenagem ao ilustre escultor conimbricense Machado de Castro. O seu espólio inclui importantes núcleos de escultura, pintura e artes decorativas. Ocupa as antigas instalações do Paço Episcopal de Coimbra e um amplo edifício novo, inaugurado em 2012.
Seguiu-se mais uma exposição, desta feita, “Aeminium | Coimbra, Cidade há 2000 Anos”, uma vista acompanhada por Pedro Carvalho, arqueólogo e docente da Faculdade de Letras, que nos mostrou Aeminium (ou Emínio, a antiga cidade romana de Coimbra), uma herança cultural deixada pelos romanos nesta cidade. A exposição está patente na importante Sala da Cidade, um espaço, recentemente, reabilitado e que corresponde ao antigo refeitório do Mosteiro de Santa Cruz.
No final da tarde, fomos degustar cerveja artesanal na Praxis – Restaurante, Fábrica e Museu da Cerveja de Coimbra. A Praxis começou a produzir em 2007, recuperando duas marcas de cervejas históricas, a Topázio e a Onyx. Tendo já sido uma das mais importantes em Portugal, a tradição cervejeira de Coimbra dá, atualmente, passos firmes no seu restabelecimento, sendo por isso, possível, beber boa cerveja por ali, fugindo das marcas mais comerciais, como é o caso da Praxis que, recorrendo à água do próprio território arriscou a criação de uma experiência totalmente voltada para a cerveja artesanal. Um espaço que são três: um restaurante, um museu e uma produtora artesanal.
Nota: Artigo escrito com o apoio do Turismo do Centro